sábado, 20 de novembro de 2010

'O Encontro dos Homens' - de Paulo Freire

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no      trabalho, na ação-reflexão.
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial.
Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens.
Não é possível a Pronúncia do Mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda.
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo.
Não há, por outro lado, o diálogo, se não há humildade.
A Pronúncia do Mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.
O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, rompe-se, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade.
Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?
Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros "isto", em que não reconheço outros eu?
Como posso dialogar, se me sinto participante de um "gueto" de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são "essa gente" ou são "nativos inferiores"?
Como posso dialogar, se parto de que a Pronúncia do Mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?
Como posso dialogar, se me fecho a contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?
Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?
A auto-suficiência é incompatível com o diálogo.
Os homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de Pronúncia do Mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles.
Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.
Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens.

Paulo Freire (in ‘A pedagogia do oprimido’. 1978)


Um comentário:

biocyblog disse...

Penso que algumas áreas convergem com a filosofia da Biodanza.
Esse diálogo tem tudo a ver com a nossa Roda Verbal, onde todos os assuntos podem ser conversados, com respeito, educação, amorosidade - falando e ouvindo, percebendo a si mesmo, ao outro e ao todo!